Ao lado dos chefes de estado de quatro países da América Latina, o governador maranhense Jackson Lago defendeu a integração entre os povos para o enfrentamento da crise financeira internacional e o desenvolvimento social, ontem, em Belém, no Fórum Social Mundial 2009 (FMS), que acontece até 1 de fevereiro na capital paraense. O encontro aconteceu no ginásio de esportes da Universidade Estadual do Pará.
Mais de 1200 representantes do Movimento Sem Terra (MST) e Via Campesina participaram do ato. O principal objetivo do evento foi a definição de estratégias de integração entre os movimentos sociais da América Latina, com foco no desenvolvimento social. Entre as autoridades presentes estavam o presidente da Venezuela, Hugo Chaves; do Equador, Rafael Correa; do Paraguai, Fernando Lugo, e Evo Morales, da Bolívia, além do presidente nacional do MST, João Pedro Stédile.
O presidente do MST, João Pedro Stédile, destacou que no Brasil o estado do Maranhão já iniciou um novo modelo de desenvolvimento focado na educação. Segundo ele, Jackson Lago foi o precursor na luta contra o analfabetismo ao lançar o Plano de Alfabetização Educadora do Maranhão. O plano tem como meta alfabetizar 769.886 jovens, adultos e idosos em situação de analfabetismo nos 217 municípios maranhenses até 2011.
O encontro teve início com a manifestação de lideranças sociais defendendo a parceria contra a crise financeira internacional e outros desajustes provocados pelo sistema capitalista. O primeiro pronunciamento foi do presidente do Equador, Rafael Correa. O chefe de estado destacou a importância da integração entre os povos latinos, sendo esta a única saída para evitar o caos social, já evidenciada no Brasil com a demissão de trabalhadores em mineradoras e multinacionais. Correa também enfatizou a relação estreita entre os governos do Brasil e do Equador.
Da mesma forma Fernando Lugo, do Paraguai, ressaltou a importância dos países latino-americanos defenderem uma estratégia comum para o enfrentamento da crise. Segundo ele, o Fórum Social Mundial é o espaço mais adequado para se discutir a crise, já que reúne representantes de diversas partes do mundo, unidos no desafio de promover um mundo melhor. Nesse público, Lugo incluiu os cinco presidentes latino- americanos que estão no Pará para participarem do FSM.
Jackson Lago e Presidentes da América do Sul no Fórum Social Mundial-FSM
Evo Morales, da Bolívia, atribuiu aos movimentos sociais, campesinos e de mulheres a possibilidade de liderarem a mudança no modelo de desenvolvimento da América Latina. Segundo ele, os governos progressistas estão convencidos que somente a luta dos movimentos sociais poderá garantir uma troca contínua na região. Por fim, Morales também ressaltou que foram os movimentos sociais que o fizeram chegar a presidência da Bolívia, assim como os demais presidentes que participam do FSM.
O presidente da Venezuela, Hugo Chaves, comparou o FSM a maior assembléia da humanidade, maior expressão dos atores emergentes que clamam por um mundo melhor. Assim como os demais presidentes Chaves defendeu a união política dos países latinos tanto para o enfrentamento da crise quanto para o desenvolvimento de estratégias voltadas para melhorar a qualidade de vida da maioria da população.
Fonte: jornal O Imparcial
sábado, 31 de janeiro de 2009
domingo, 11 de janeiro de 2009
O Maranhão dinástico
O Maranhão dinástico
Livro da professora Maria de Fátima da Costa Gonçalves comenta o poder e a influência da família Sarney em um dos estados mais pobres da União
POR WALDIR JOSÉ RAMPINELLI*
O Maranhão, um dos estados mais pobres do Brasil, tem sido governado sistematicamente por estruturas oligárquicas que, com o apoio do poder central, vêm mantendo a região em uma situação de atraso, de dependência e de curral eleitoral. Os últimos 60 anos de vida política no Maranhão foram marcados por duas dinastias, a de Vitorino Freire, que de 1945 a 1965 desenvolveu relações patrimonialistas, e a de José Sarney filho político do vitorinismo, mais tarde rompido com sua origem , que de 1966 aos dias de hoje exerce o mandonismo local.
Acaba de ser lançado no dia 19 de dezembro de 2008, em São Luís (MA) o livro A Invenção de uma Rainha de Espada reatualizações e embaraços na dinâmica política do Maranhão dinástico (Editora da UFMA), tese de doutoramento da professora Maria de Fátima da Costa Gonçalves, da Universidade Federal do Maranhão. O trabalho, dentro de uma perspectiva teórica bourdiana (de Pierre Bourdieu), analisa a dinastia de José Sarney com seus filhos sociais, políticos e biológicos. Roseana Sarney Murad passa a ser a rainha de espada, referência metafórica às cartas do baralho, cujo peso é relacional, já que o espólio político do pai está em jogo naquele Estado.
O livro mostra a tessitura do poder dos Sarney no Maranhão, começando pela Lei de Terras nº 2.979 (17/7/69), que, contrariando as pretensões da Sudene de tornar parte da região úmida do Estado em área de povoamento para os flagelados da seca do Nordeste, instituiu o mercado formal de terras, favorecendo o início do processo de ocupação das mesmas pelos médios e grandes empreendimentos agropecuários. Essa modernização conservadora possibilitou o crescimento do latifúndio, transformado, hoje, em agronegócio exportador em terras de miseráveis. Soja, arroz e eucalipto são alguns dos grandes cultivos do sul maranhense.
A oligarquia sarneysista se escuda em duas estratégias fundamentais para exercer sua hegemonia, quais sejam, no apoio do poder central e nas relações patrimonialistas no próprio Estado do Maranhão. José Sarney é conhecido popularmente pelo apelido de camaleão, aquele que muda de partido de acordo com as conveniências. Nascido e criado dentro da oligarquia vitorinista, contra ela se rebelou, fundando seu grupo de poder dinástico; dado o golpe de Estado de 1964, tornou-se parte integrante de apoio às Forças Armadas, chegando a ser presidente nacional do partido político de sustentação da ditadura militar; acontecida a redemocratização, tornou-se presidente do país por conta da morte de Tancredo Neves, estendendo seu mandato para cinco anos por meio de uma emenda constitucional com votos negociados; escolhido Fernando Henrique Cardoso presidente da República, dele se aproximou, ao ponto de FHC apoiar entusiasticamente a candidatura de Roseana Sarney Murad ao governo do Maranhão por duas vezes; eleito Lula presidente, Sarney tornou-se senador pelo Amapá, Estado que não é o seu, e ao mesmo tempo fez senadora pelo Maranhão sua filha Roseana, sendo ambos apoiadores do governo federal, chegando ela a ser líder do mesmo na Câmara Alta. Além disso, cabe lembrar que entre 1970 e 2004, exceção feita apenas por Oswaldo da Costa Nunes Freire (1974-1979), Sarney foi o gestor de todos os governadores maranhenses.
Por outro lado, a oligarquia sarneysista não aposta em um desenvolvimento autônomo no Maranhão, já que ele significaria o seu próprio fim. Nas principais cidades do estado, com um pouco mais de independência econômica e política, os candidatos da oligarquia vêm perdendo, sucessivamente, as eleições. São Luís e Imperatriz são dois exemplos típicos.
Já Gonçalves aponta em seu livro, como principal estratégia de manutenção e de reprodução das práticas de poder dinástico, a distribuição de cargos e postos entre os parentes consanguíneos, os parentes por alianças, os parentes por afinidades e o compadrio nas mais variadas instituições do estado do Maranhão. José Sarney estabeleceu uma prática privada de exercício político, como também constituiu uma rede de parentesco social ampliado. Para tanto domina os setores da política, da economia, do judiciário, da cultura e das comunicações. Basta ver os nomes dados às obras públicas, tais como a Vila D. Kiola (mãe de José Sarney), Maternidade Marly Sarney (esposa de José Sarney), Creche Rafaela Sarney Murad (neta de José Sarney), Passarela do Samba Roseana Sarney Murad (filha de José Sarney) e o próprio Sarney, que nomeia município, ponte, fórum, escolas e outros. No entanto, o que mais chama a atenção, não pela grandiosidade e sim pela promiscuidade, é o fato de o Tribunal de Contas do Estado do Maranhão, órgão responsável pela fiscalização das contas do governo, ser chamado de Palácio Governadora Roseana Sarney Murad.
Além de José Sarney se reproduzir nas placas de bronze das obras públicas, se apropriou do Convento das Mercês, obra construída no século 17 no qual pregou o Pe. Antônio Vieira, transformando-o em museu particular. Chegou a fazer em um dos pátios internos, debaixo de uma mangueira, um mausoléu, como bom faraó que é, para empalhar seus restos e os de dona Marly. Pegou da União uma ilha a Curupu , fazendo-a propriedade privada, onde construiu uma de suas tantas mansões, não permitindo que os pescadores se aproximem dela. Dragas do estado do Maranhão aumentaram a profundidade do Dono do Mar para que barcos com maior calado lá chegassem sem problemas. Amante das letras e conhecedor da história, não teve nenhum problema em retirar pedras retangulares (cantaria) das ruas de São Luís, transportadas pelas caravelas portuguesas nos séculos 16 e 17 para dar estabilidade na travessia do Atlântico, calçando suas quintas privadas. É o público e o privado completamente perpassados.
Às vezes o caciquismo sarneysista chega a um estágio tragicômico, como a estratégia atípica adotada para impedir que o irmão do ex-marido de Roseana Sarney Murad Ricardo Murad se candidatasse ao governo do Estado, já que concorreria contra ela. Como Roseana estava separada judicialmente de Jorge Francisco Murad, irmão do possível candidato a governador, Ricardo Murad, ela se casou novamente com o ex-marido, impedindo, assim, a candidatura do agora já cunhado.
Ao analisar o poder dinástico no Maranhão, faltou em A Invenção de uma Rainha de Espada mostrar o enriquecimento material da família Sarney; a rápida expansão do Sistema Mirante de Comunicação, uma repetidora da Rede Globo; o crescimento do patrimônio de alguns filhos políticos ilustres da dinastia, conhecidos nacionalmente, como Édison Lobão e Epitácio Cafeteira. Este último, depois de passar do status de aliado a adversário político, retornou à casa do pai em 2005, e esteve envolvido na Operação Granville, o até agora não explicado transporte de Cr$ 170 milhões de seu apartamento, em São Luís, para o Rio de Janeiro, em 1990.
A Nova Balaiada A resistência à oligarquia sarneysista começa a buscar força na história do Maranhão, como no caso da Balaiada (1838-1841), uma revolução acontecida não apenas no interior do Estado, mas em toda a região, que apresentava um caráter de classe bem definido, com trabalhadores escravos, índios explorados e os trabalhadores livres empobrecidos (com o apoio pontual, mais tarde retirado, de um grupo de liberais chamados de Bem-te-vis, que no fundamental respondiam aos interesses da pequena burguesia urbana) lutando contra fazendeiros criollos e grandes comerciantes portugueses que procuravam repassar os custos da crise econômica para as classes debaixo, já que o algodão, principal produto de exportação, sofria forte concorrência do sul dos Estados Unidos. Embora os documentos oficiais do império procurassem descaracterizar o conflito de classes, apresentando-o tão-somente como rebelião de facínoras ou hordas devastadoras, teve, em determinado momento, que reconhecer que se tratava pelo menos de uma guerra civil ou de uma crua guerra intestina. A história oficial não conseguiu tirar do imaginário coletivo do povo maranhense esta luta de pobres contra ricos de meados do século 19.
Ocorre que o grupo dinástico de José Sarney, concorrendo mais uma vez ao Executivo estadual em 2006, com apoio declarado do presidente da República, amargou uma dura derrota no segundo turno para Jackson Lago, antigo político oposicionista, ex-prefeito de São Luís e já vencido em outras tentativas de se tornar governador. A derrotada foi nada menos que a guerreira, a Rainha de Espada, ou seja, Roseana Sarney. Desde então, o Maranhão dinástico se levantou e, lançando mão de todos os recursos e subterfúgios jurídicos, está tentando caçar o governo Lago. Diante da iminência da perda de seu mandato, já que o processo caminhou de forma rapidíssima nos tribunais, movimentos populares, sindicatos e partidos políticos de esquerda se reuniram diuturnamente em meados de dezembro de 2008 em frente ao Palácio dos Leões, em São Luís, para acompanhar, em um telão, o julgamento no Tribunal Superior Eleitoral. Igualmente, por todo o Maranhão, espalharam-se outdoors acusando a possível cassação de mais um golpe sarneysista. A toda esta movimentação denominou-se de Nova Balaiada, em alusão à luta de classes do século 19. A história, que sempre fora ocultada pela oficialidade, passara a ser utilizada mais uma vez como mecanismo de resistência pelos movimentos populares.
Na verdade, as oligarquias regionais começam a ser golpeadas pelo aumento da luta política e pela conscientização dos grupos organizados. Os movimentos populares, o sindicalismo independente, os partidos políticos comprometidos com as mudanças estruturais, as pesquisas feitas nas universidades com compromissos políticos como o livro ora comentado têm contribuído no enfraquecimento dos grupos dinásticos. No entanto, um papel relevante caberia também, ao governo central (Brasília), que poderia ajudar a asfixiar de vez estas estruturas arcaicas de poder. A crise das oligarquias liga-se fundamentalmente à crise do Estado. Terá o presidente Lula interesse em acabar com a oligarquia sarneysista no pobre estado do Maranhão? Os fatos, infelizmente, mostram o contrário. Tampouco a vitória de Jackson Lago aponta diretamente para a superação da mesma. Caberá tão-somente aos maranhenses esse duro embate. Ou seja, Outra Balaiada na Ilha da Rebeldia.
* Professor do Departamento de História da UFSC, com doutorado em Ciências Sociais-Política pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Organizador e autor do livro História e Poder a reprodução das elites em Santa Catarina (Insular, Florianópolis, 2003)
publicado no jornal Diáro Catarinense
Livro da professora Maria de Fátima da Costa Gonçalves comenta o poder e a influência da família Sarney em um dos estados mais pobres da União
POR WALDIR JOSÉ RAMPINELLI*
O Maranhão, um dos estados mais pobres do Brasil, tem sido governado sistematicamente por estruturas oligárquicas que, com o apoio do poder central, vêm mantendo a região em uma situação de atraso, de dependência e de curral eleitoral. Os últimos 60 anos de vida política no Maranhão foram marcados por duas dinastias, a de Vitorino Freire, que de 1945 a 1965 desenvolveu relações patrimonialistas, e a de José Sarney filho político do vitorinismo, mais tarde rompido com sua origem , que de 1966 aos dias de hoje exerce o mandonismo local.
Acaba de ser lançado no dia 19 de dezembro de 2008, em São Luís (MA) o livro A Invenção de uma Rainha de Espada reatualizações e embaraços na dinâmica política do Maranhão dinástico (Editora da UFMA), tese de doutoramento da professora Maria de Fátima da Costa Gonçalves, da Universidade Federal do Maranhão. O trabalho, dentro de uma perspectiva teórica bourdiana (de Pierre Bourdieu), analisa a dinastia de José Sarney com seus filhos sociais, políticos e biológicos. Roseana Sarney Murad passa a ser a rainha de espada, referência metafórica às cartas do baralho, cujo peso é relacional, já que o espólio político do pai está em jogo naquele Estado.
O livro mostra a tessitura do poder dos Sarney no Maranhão, começando pela Lei de Terras nº 2.979 (17/7/69), que, contrariando as pretensões da Sudene de tornar parte da região úmida do Estado em área de povoamento para os flagelados da seca do Nordeste, instituiu o mercado formal de terras, favorecendo o início do processo de ocupação das mesmas pelos médios e grandes empreendimentos agropecuários. Essa modernização conservadora possibilitou o crescimento do latifúndio, transformado, hoje, em agronegócio exportador em terras de miseráveis. Soja, arroz e eucalipto são alguns dos grandes cultivos do sul maranhense.
A oligarquia sarneysista se escuda em duas estratégias fundamentais para exercer sua hegemonia, quais sejam, no apoio do poder central e nas relações patrimonialistas no próprio Estado do Maranhão. José Sarney é conhecido popularmente pelo apelido de camaleão, aquele que muda de partido de acordo com as conveniências. Nascido e criado dentro da oligarquia vitorinista, contra ela se rebelou, fundando seu grupo de poder dinástico; dado o golpe de Estado de 1964, tornou-se parte integrante de apoio às Forças Armadas, chegando a ser presidente nacional do partido político de sustentação da ditadura militar; acontecida a redemocratização, tornou-se presidente do país por conta da morte de Tancredo Neves, estendendo seu mandato para cinco anos por meio de uma emenda constitucional com votos negociados; escolhido Fernando Henrique Cardoso presidente da República, dele se aproximou, ao ponto de FHC apoiar entusiasticamente a candidatura de Roseana Sarney Murad ao governo do Maranhão por duas vezes; eleito Lula presidente, Sarney tornou-se senador pelo Amapá, Estado que não é o seu, e ao mesmo tempo fez senadora pelo Maranhão sua filha Roseana, sendo ambos apoiadores do governo federal, chegando ela a ser líder do mesmo na Câmara Alta. Além disso, cabe lembrar que entre 1970 e 2004, exceção feita apenas por Oswaldo da Costa Nunes Freire (1974-1979), Sarney foi o gestor de todos os governadores maranhenses.
Por outro lado, a oligarquia sarneysista não aposta em um desenvolvimento autônomo no Maranhão, já que ele significaria o seu próprio fim. Nas principais cidades do estado, com um pouco mais de independência econômica e política, os candidatos da oligarquia vêm perdendo, sucessivamente, as eleições. São Luís e Imperatriz são dois exemplos típicos.
Já Gonçalves aponta em seu livro, como principal estratégia de manutenção e de reprodução das práticas de poder dinástico, a distribuição de cargos e postos entre os parentes consanguíneos, os parentes por alianças, os parentes por afinidades e o compadrio nas mais variadas instituições do estado do Maranhão. José Sarney estabeleceu uma prática privada de exercício político, como também constituiu uma rede de parentesco social ampliado. Para tanto domina os setores da política, da economia, do judiciário, da cultura e das comunicações. Basta ver os nomes dados às obras públicas, tais como a Vila D. Kiola (mãe de José Sarney), Maternidade Marly Sarney (esposa de José Sarney), Creche Rafaela Sarney Murad (neta de José Sarney), Passarela do Samba Roseana Sarney Murad (filha de José Sarney) e o próprio Sarney, que nomeia município, ponte, fórum, escolas e outros. No entanto, o que mais chama a atenção, não pela grandiosidade e sim pela promiscuidade, é o fato de o Tribunal de Contas do Estado do Maranhão, órgão responsável pela fiscalização das contas do governo, ser chamado de Palácio Governadora Roseana Sarney Murad.
Além de José Sarney se reproduzir nas placas de bronze das obras públicas, se apropriou do Convento das Mercês, obra construída no século 17 no qual pregou o Pe. Antônio Vieira, transformando-o em museu particular. Chegou a fazer em um dos pátios internos, debaixo de uma mangueira, um mausoléu, como bom faraó que é, para empalhar seus restos e os de dona Marly. Pegou da União uma ilha a Curupu , fazendo-a propriedade privada, onde construiu uma de suas tantas mansões, não permitindo que os pescadores se aproximem dela. Dragas do estado do Maranhão aumentaram a profundidade do Dono do Mar para que barcos com maior calado lá chegassem sem problemas. Amante das letras e conhecedor da história, não teve nenhum problema em retirar pedras retangulares (cantaria) das ruas de São Luís, transportadas pelas caravelas portuguesas nos séculos 16 e 17 para dar estabilidade na travessia do Atlântico, calçando suas quintas privadas. É o público e o privado completamente perpassados.
Às vezes o caciquismo sarneysista chega a um estágio tragicômico, como a estratégia atípica adotada para impedir que o irmão do ex-marido de Roseana Sarney Murad Ricardo Murad se candidatasse ao governo do Estado, já que concorreria contra ela. Como Roseana estava separada judicialmente de Jorge Francisco Murad, irmão do possível candidato a governador, Ricardo Murad, ela se casou novamente com o ex-marido, impedindo, assim, a candidatura do agora já cunhado.
Ao analisar o poder dinástico no Maranhão, faltou em A Invenção de uma Rainha de Espada mostrar o enriquecimento material da família Sarney; a rápida expansão do Sistema Mirante de Comunicação, uma repetidora da Rede Globo; o crescimento do patrimônio de alguns filhos políticos ilustres da dinastia, conhecidos nacionalmente, como Édison Lobão e Epitácio Cafeteira. Este último, depois de passar do status de aliado a adversário político, retornou à casa do pai em 2005, e esteve envolvido na Operação Granville, o até agora não explicado transporte de Cr$ 170 milhões de seu apartamento, em São Luís, para o Rio de Janeiro, em 1990.
A Nova Balaiada A resistência à oligarquia sarneysista começa a buscar força na história do Maranhão, como no caso da Balaiada (1838-1841), uma revolução acontecida não apenas no interior do Estado, mas em toda a região, que apresentava um caráter de classe bem definido, com trabalhadores escravos, índios explorados e os trabalhadores livres empobrecidos (com o apoio pontual, mais tarde retirado, de um grupo de liberais chamados de Bem-te-vis, que no fundamental respondiam aos interesses da pequena burguesia urbana) lutando contra fazendeiros criollos e grandes comerciantes portugueses que procuravam repassar os custos da crise econômica para as classes debaixo, já que o algodão, principal produto de exportação, sofria forte concorrência do sul dos Estados Unidos. Embora os documentos oficiais do império procurassem descaracterizar o conflito de classes, apresentando-o tão-somente como rebelião de facínoras ou hordas devastadoras, teve, em determinado momento, que reconhecer que se tratava pelo menos de uma guerra civil ou de uma crua guerra intestina. A história oficial não conseguiu tirar do imaginário coletivo do povo maranhense esta luta de pobres contra ricos de meados do século 19.
Ocorre que o grupo dinástico de José Sarney, concorrendo mais uma vez ao Executivo estadual em 2006, com apoio declarado do presidente da República, amargou uma dura derrota no segundo turno para Jackson Lago, antigo político oposicionista, ex-prefeito de São Luís e já vencido em outras tentativas de se tornar governador. A derrotada foi nada menos que a guerreira, a Rainha de Espada, ou seja, Roseana Sarney. Desde então, o Maranhão dinástico se levantou e, lançando mão de todos os recursos e subterfúgios jurídicos, está tentando caçar o governo Lago. Diante da iminência da perda de seu mandato, já que o processo caminhou de forma rapidíssima nos tribunais, movimentos populares, sindicatos e partidos políticos de esquerda se reuniram diuturnamente em meados de dezembro de 2008 em frente ao Palácio dos Leões, em São Luís, para acompanhar, em um telão, o julgamento no Tribunal Superior Eleitoral. Igualmente, por todo o Maranhão, espalharam-se outdoors acusando a possível cassação de mais um golpe sarneysista. A toda esta movimentação denominou-se de Nova Balaiada, em alusão à luta de classes do século 19. A história, que sempre fora ocultada pela oficialidade, passara a ser utilizada mais uma vez como mecanismo de resistência pelos movimentos populares.
Na verdade, as oligarquias regionais começam a ser golpeadas pelo aumento da luta política e pela conscientização dos grupos organizados. Os movimentos populares, o sindicalismo independente, os partidos políticos comprometidos com as mudanças estruturais, as pesquisas feitas nas universidades com compromissos políticos como o livro ora comentado têm contribuído no enfraquecimento dos grupos dinásticos. No entanto, um papel relevante caberia também, ao governo central (Brasília), que poderia ajudar a asfixiar de vez estas estruturas arcaicas de poder. A crise das oligarquias liga-se fundamentalmente à crise do Estado. Terá o presidente Lula interesse em acabar com a oligarquia sarneysista no pobre estado do Maranhão? Os fatos, infelizmente, mostram o contrário. Tampouco a vitória de Jackson Lago aponta diretamente para a superação da mesma. Caberá tão-somente aos maranhenses esse duro embate. Ou seja, Outra Balaiada na Ilha da Rebeldia.
* Professor do Departamento de História da UFSC, com doutorado em Ciências Sociais-Política pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Organizador e autor do livro História e Poder a reprodução das elites em Santa Catarina (Insular, Florianópolis, 2003)
publicado no jornal Diáro Catarinense
terça-feira, 6 de janeiro de 2009
O MARANHÃO É O BRASIL
BRASILIA - Nada poderia espelhar melhor a desigualdade brasileira do que o Maranhão que emergiu de três páginas diferentes da FOLHA na última sexta-feira.
Na pag. A2, no texto "A crise na janela", delicioso como sempre, José Sarney não fica a ver navios e sim "um solitário barco envolto na bruma de sal". É a crise
a olho nu, mas Sarney trata de enaltecer São Luis como o segundo porto do Brasil, exportando 110 milhões de toneladas de minério de ferro e de alumínio, além
de soja, milho e babaçu.
O Maranhão também tem "a maior fábrica de aluminio do mundo, a da Alcoa" e a "melhor infraestrutura do nordeste", com estradas de ferro e "comboios imensos,
milhares de operários, lavra, energia e estradas". Fantástico !
Mas esse é um Maranhão. Há outros. Você vira a página e, na A4, as notas "Fichados 1" e "fichados 2", do Painel, informam que o Estado contribui para a nova
"LISTA SUJA" de trabalho escravo com um juiz, Marcelo Baldochi, e o ex-prefeito de Santa Luzia, Antonio Braide, pai de um ex-assessor do ministro maranhense
Edison Lobão.
Virando mais uma página, chegamos à A6 e a reportagens sobre maranhenses que, no primeiro dia do ano, incendiaram a prefeitura, o fórum e o cartório da mesma
Santa Luzia, a 300 km de São Luis e do segundo porto brasileiro. Motivo: quem ganhou a eleição para a prefeitura não levou. A justiça não deixou.
Na véspera, com os salários atrasados e sem Natal, prestadores de serviços tinham invadido a casa do prefeito Zilmar Melo e a empresa de informática da familia,
em Tutoia (457 km da capital e do porto maravilhoso). Quebraram até os carros. O que restou, levaram.
E o Maranhão de um ex-presidente recente (1985 a 1990) e da "maior fábrica de aluminio do mundo" não é só lembrado por trabalho escravo e pela fúria de cidadãos,
mas pelos piores desempenhos em português e em matemática. E no IDH, claro. O Maranhão é o Brasil. Ou melhor, o Brasil é o Maranhão.
Texto da jornalista Eliane Cantanhêde(elianec@uol.com.br), publicado, neste domingo, dia 04/01/2009, na pagina A2, do jornal FOLHA DE SÃO PAULO.
Na pag. A2, no texto "A crise na janela", delicioso como sempre, José Sarney não fica a ver navios e sim "um solitário barco envolto na bruma de sal". É a crise
a olho nu, mas Sarney trata de enaltecer São Luis como o segundo porto do Brasil, exportando 110 milhões de toneladas de minério de ferro e de alumínio, além
de soja, milho e babaçu.
O Maranhão também tem "a maior fábrica de aluminio do mundo, a da Alcoa" e a "melhor infraestrutura do nordeste", com estradas de ferro e "comboios imensos,
milhares de operários, lavra, energia e estradas". Fantástico !
Mas esse é um Maranhão. Há outros. Você vira a página e, na A4, as notas "Fichados 1" e "fichados 2", do Painel, informam que o Estado contribui para a nova
"LISTA SUJA" de trabalho escravo com um juiz, Marcelo Baldochi, e o ex-prefeito de Santa Luzia, Antonio Braide, pai de um ex-assessor do ministro maranhense
Edison Lobão.
Virando mais uma página, chegamos à A6 e a reportagens sobre maranhenses que, no primeiro dia do ano, incendiaram a prefeitura, o fórum e o cartório da mesma
Santa Luzia, a 300 km de São Luis e do segundo porto brasileiro. Motivo: quem ganhou a eleição para a prefeitura não levou. A justiça não deixou.
Na véspera, com os salários atrasados e sem Natal, prestadores de serviços tinham invadido a casa do prefeito Zilmar Melo e a empresa de informática da familia,
em Tutoia (457 km da capital e do porto maravilhoso). Quebraram até os carros. O que restou, levaram.
E o Maranhão de um ex-presidente recente (1985 a 1990) e da "maior fábrica de aluminio do mundo" não é só lembrado por trabalho escravo e pela fúria de cidadãos,
mas pelos piores desempenhos em português e em matemática. E no IDH, claro. O Maranhão é o Brasil. Ou melhor, o Brasil é o Maranhão.
Texto da jornalista Eliane Cantanhêde(elianec@uol.com.br), publicado, neste domingo, dia 04/01/2009, na pagina A2, do jornal FOLHA DE SÃO PAULO.
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