A insubmissa resistência
“É como se minha vida começasse hoje”, ouvi de uma moradora das palafitas do rio Anil, ao receber as chaves da casa com que sempre sonhou e finalmente recebeu junto com as primeiras famílias do maior projeto de intervenção urbana e inclusão social do Maranhão.
Essas palavras, na sua singeleza, dizem muito mais do que o reconhecimento de quem se descobre tratada como cidadã plena. Elas servem de inspiração para todos nós que fazemos da vida pública um exercício permanente de combate.
A vida recomeça a cada dia para quem luta por ideais. Esse é o dístico que carregamos conosco como um compromisso moral.
Todos sabemos que o Maranhão foi o único estado da nação que, na transição democrática, pagou o preço de reforçar seus laços com o autoritarismo e o caciquismo. O destino fez com que o fiador do poder militar, o avalista do arbítrio fosse nomeado o primeiro presidente civil após o golpe. Os ventos da liberalização, que sopraram em todo o país, não chegaram ao Maranhão.
Não admira então que o sopro de renovação que varreu o país, provocando a saudável alternância de poder em todos os Estados, entre nós tenha sido um simulacro, um rito de passagem por hereditariedade e consangüinidade. Custou anos e o labor de gerações para se obter as condições históricas de enfrentar e confrontar essa triste herança autoritária.
Essas condições tornam ainda mais grave a decisão do TSE de devolver o poder ao atraso e ao mandonismo. Todos conhecemos o antigo brocardo de Marx de que a história só se repete como farsa. Que dizer de uma decisão que condena o Maranhão a eternizar uma farsa política que tem o repúdio de toda a nação?
É contra isso que o povo maranhense se insurge. Por onde passo vejo crescerem os clamores de justiça de quem sente que teve seu voto esbulhado. Foi assim em Imperatriz na última quinta-feira, quando milhares de pessoas foram às ruas manifestar o seu repúdio pela violência que se comete contra a vontade popular.
Lembrei que praticamente nessa mesma data, há 45 anos, testemunhei a histórica manifestação do comício da Central do Brasil, no Rio de Janeiro. Com que emoção vivi aqueles momentos de afirmação cívica do nosso povo. Depois veio a longa noite autoritária, da qual ainda vagam seus avatares, como dinossauros, como bem expôs ao mundo a revista The Economist.
Em Imperatriz vi que nosso povo traz a mesma chama e o mesmo brilho nos olhos que vi há tantos anos na Central do Brasil. O brilho da insubmissão, o desejo da liberdade.
Me tocaram também as manifestações que recebi na última terça-feira no teatro Arthur Azevedo. Queria agradecer um a um pela longa e comovente ovação com que fui recebido. Nosso povo demonstra que repudia o golpe antidemocrático que se tenta dar pela via judiciária.
Confio que não se perpetrará essa violência que não é contra mim, mas contra o processo histórico e os direitos do povo maranhense.
Jackson Lago
Governador do Estado do Maranhão
(Texto extraido do Jornal Imparcial. O mesmo texto é encontrado no site do Governo do Estado do Maranhão, www.ma.gov.br)