Transtorno bipolar
Anotações pastorais sobre a conjuntura política do Maranhão.
“No meio da multidão, alguns fariseus disseram a Jesus: «Mestre, manda que teus discípulos se calem.» Jesus respondeu: «Eu digo a vocês: se eles se calarem, as pedras gritarão.»” (Lc 19, 39-40).
Queridas irmãs e queridos irmãos,
Também neste momento grave e preocupante, em que assistimos a mudanças e transtornos institucionais no nosso Estado, não consegui me calar. Considero, com efeito, que é incômodo dever do pastor tentar, sobretudo em conjunturas difíceis, delicadas e desafiadoras como esta que estamos vivendo, buscar a verdade e colaborar na procura de horizontes e rumos favoráveis ao bem comum, à justiça e aos direitos, sobretudo dos mais humildes e esquecidos.
Os últimos acontecimentos políticos e judiciários nos revelam, mais uma vez e de modo incontestável, que não vivemos num Estado de Direito pleno: com efeito, as leis republicanas não passam de uma ferramenta e de uma arma a ser utilizada para combater, condenar e neutralizar os adversários e os inimigos políticos, ao passo que parentes, amigos e aliados são isentados do respeito e da obediência às leis; e acobertados em casos de crimes. Vivemos num clima de permanente atentado à legalidade, em que, com menor ou maior habilidade, são resguardadas porém as aparências e as formalidades das instituições democráticas.
No nosso País as instituições republicanas têm pouco mais de um século de vigência, mas somente nestes últimos vinte anos tentamos construir a nossa historia livres dos regimes de exceção e do estado de sítio. Permanecem, todavia, ameaças à democracia vindas de setores elitistas reciclados no âmbito democrático após a ditadura militar e que nunca acreditaram no povo como gerador e garante dos poderes republicanos. Parece inegável, assim, a existência de uma rearticulação antidemocrática, que se insinua nos procedimentos jurídicos para subverter a legalidade e a verdade. A tradição monárquica de um Poder Executivo, prioritário e conciliador de instituições e interesses, permanece quase intacta. Poucos se preocupam com o fato que Juizes Federais e Estaduais sejam indicados e nomeados pelos mandatários políticos, atentando à constitutiva autonomia do Poder Judiciário.
Assistimos, assim, ao processo de criminalização dos movimentos sociais e dos defensores dos direitos humanos e, na lógica de dois pesos e duas medidas, ao tratamento privilegiado de “empresários” invasores de áreas indígenas.
Tenho mais um motivo de angustia: a lógica financeira domina as eleições e, o que é mais grave, se reforça em todos os partidos a convicção da inevitabilidade, ou pior, da naturalidade da corrupção, ao ponto que a corrupção virou sistêmica. Faz mister afirmar, lembrando Raimundo Faoro, que no Maranhão, ainda não temos Estado, mas um estamento; não temos respeito e serviço ao bem comum, mas articulações patrimonialistas.
O próprio Presidente do STF, Ministro Gilmar Mendes, afirmou recentemente que o financiamento público de campanhas eleitorais só será viável após uma reforma no sistema político do país. Segundo o Ministro, atualmente não seria possível evitar que os partidos políticos recebam recursos privados não declarados, para financiar as campanhas eleitorais. Desta forma, a Camargo Corrêa, junto com outros empresários e banqueiros, é sumariamente inocentada. Como todos são corruptos, logo todos são inocentes; ao ponto que podemos até enterrar a tradicional distinção entre corruptos e corruptores.
Deixe-me comunicar-lhes mais uma profunda inquietação: a política atual continua subjugada às estratégias populares de reprodução a vida e ao jogo de interesses das elites empresariais.
Podemos e devemos defender a política entendida como construção do bem comum, segundo as orientações da Doutrina Social da Igreja Católica, mas não podemos fechar os olhos diante da sua redução sistêmica à garantia de sobrevivência de boa parte da população do nosso Estado. Na absoluta maioria dos casos, a economia dos nossos municípios está nas mãos das prefeituras e a alternância de gestores, mais do que responder a um saudável princípio democrático, não passa de um expediente para privilegiar eleitores e excluir adversários do acesso às vagas do funcionalismo público.
É desta fonte que nascem as facções, sem consciência e sem inspiração ética e ideológica. É desta fonte que é gerada a violência política como meio extremo para defender a economia familiar. É desta fonte que vem a calmaria da movimentação social, silenciada ou cooptada – até nas suas lideranças mais expressivas – pelos governos.
Como podemos pensar o nosso testemunho evangélico neste quadro tão tosco e sombrio? Como podemos acolher o dom divino da Esperança? Como podemos enxergar a presença do Reino de Jesus nos caminhos da história? Como podemos testemunhar a Páscoa de Ressurreição - e a insurreição das consciências - para construirmos caminhos de fraternidade, liberdade e justiça?
Antes de tudo, devemos apostar na capacidade das nossas comunidades de evangelizar e testemunhar a fé que a historia humana e a historia do Maranhão estão nas mãos de Deus. Como nos diz Paulo num trecho da Carta aos Romanos, cap. 8, vv. 18-23:
“18 Penso que os atuais sofrimentos não se comparam a gloria futura que em nós se revelará 19 A própria criação espera, com impaciência, a revelação dos filhos de Deus. 20 Entregue ao poder do nada - não por sua vontade, mas por vontade de quem quis submetê-la, -, a criação hospeda a esperança 21 porque ela também será libertada da escravidão da corrupção, para participar da liberdade e da glória dos filhos de Deus.
22 Sabemos que a criação toda geme e sofre as dores do parto até hoje. 23 E não só a criação, mas nós também, que possuímos as primícias do Espírito, gememos no nosso íntimo, esperando a adoção e a libertação do nosso corpo.”
Porque temer? O medo que pode paralisar a nossa fala e o nosso testemunho foi derrotado pela fé pascal em Cristo Jesus.
Recomendo, enfim, que possa continuar a nossa colaboração com a Campanha “Ficha limpa” e com o Movimento contra a corrupção eleitoral e administrativa. O meu apelo e a minha bênção especial vão agora para as nossas valiosas Pastorais Sociais: possam ser parteiras da gestação do Reino na nossa sociedade, propiciando o protagonismo dos pobres e dos nossos povos.
A minha bênção a todos vocês irmãs e irmãos em Cristo, junto com os votos de uma Páscoa santa e libertadora.
Dom Xavier Gilles
Bispo de Viana
Presidente da CNBB NE V
São Luís do Maranhão, 13 de abril de 2009