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ANÁLISE DE CONJUNTURA
Março-Abril de 2009
POLÍTICA: DILMA, SERRA E AÉCIO NEVES
1 O grande tema político do final de abril é a descoberta de um linfoma na ministra Dilma Rousseff. O linfoma não-Hodgkin inclui diversos tipos de câncer do sistema linfático (que transporta a linfa, líquido incolor que contém glóbulos brancos, que combatem bactérias e destroem vírus e células estranhas). Durante quatro meses (a cada três semanas) a ministra receberá tratamento quimioterápico e, depois, poderá ser ministrada radioterapia. A perspectiva de cura é alta (acima de 90%), mas deverá afetar o ritmo de campanha da ministra, embora ela se recuse a admitir. Embora as reações à quimioterapia sejam distintas, de pessoa para pessoa, é comum provocar fadiga e náuseas. A direção nacional do PT se surpreendeu e seus dirigentes assumiram uma postura cautelosa, aguardando os resultados do tratamento para adotar uma posição mais clara e definitiva;
2 Aécio Neves e José Serra, que já definiram acordo pelas prévias no PSDB em janeiro do próximo ano, também assumiram um tom cauteloso e solidário à notícia do adoecimento da ministra. Contudo, a depender do impacto da notícia e dos resultados do tratamento, a tendência é acelerar a consolidação do nome do pré-candidato tucano como opção concreta para o eleitorado;
3 Nessa corrida pré-eleitoral, Aécio Neves é o mais debelado. Dilma Rousseff continua apresentando índices de crescimento nas pesquisas de intenção de voto e na última pesquisa divulgada pelo Sensus/CNT (30 de março) já empatava com o governador mineiro. José Serra, por seu turno, continua liderando as pesquisas. Para piorar o panorama de Aécio Neves, no final de abril anunciou corte de 430 milhões de reais do orçamento mineiro. As secretarias de governo terão que cortar entre 10% e 20%, imediatamente. O ICMS caiu 750 milhões de outubro de 2008 até março deste ano. O custeio foi projetado para fechar no vermelho (-1%) neste ano. O governador afirma que Educação, Saúde e Defesa Social serão preservadas, assim como os investimentos já previstos;
4 Assim, consolida-se entre analistas políticos a percepção que o governador mineiro será candidato ao Senado, em 2010. Mas seus problemas continuarão. Como senador terá sua projeção política novamente vinculada ao futuro de José Serra. Caso Serra vença as eleições presidenciais, seu peso político será muito reduzido, ainda mais na possibilidade concreta de perder o controle político sobre o governo mineiro (para o candidato do PMDB ou do PT de Minas Gerais). Na hipótese de Serra perder, Aécio poderá alçar vôos maiores, como maior ícone da oposição. A situação é ainda mais delicada em função da performance de Marcio Lacerda, prefeito de Belo Horizonte e apadrinhado por Aécio. Sem carisma, o prefeito da capital do segundo colégio eleitoral do país simplesmente sumiu do noticiário. O grande mote de Lacerda é a adoção de instrumentos de gestão privada na Prefeitura de BH. Contudo, tal projeto parece superado pela crise e retorno de vertentes do keynesianismo como superação dos percalços mundiais. Problema, aliás, que se estende à Aécio Neves;
5 Há dúvidas, num cenário tão incerto, sobre o espaço que teria uma terceira candidatura à Presidência da República. A movimentação de bastidor, que até agora se concentrava entre tucanos e candidatos à vice na chapa de Dilma Rousseff, pode se direcionar para este novo campo de possibilidades. Michel Temer era o mais afoito pré-candidato à vice na chapa petista. Ocorre que Lula, o maior cabo eleitoral de Dilma (mais da metade dos eleitores pesquisados pela Sensus/CNT afirmaram, no final de março, que votariam no candidato do Presidente da República, seja qual for o escolhido) não tem grande apreço por Temer. Nos bastidores da política palaciana, esta é a mesma interpretação dos vôos rasantes de Ciro Gomes. Entre incertezas, é possível afirmar que vários balões de ensaio serão lançados até abril do próximo ano, procurando medir forças e desenhar alternativas. Mas não há dúvidas que tudo passará pela decisão de Lula e José Serra;
6 Nos Estados, a notícia mais impactante foi a confirmação da cassação do mandato do governador do Maranhão, o pedetista Jackson Lago, abrindo espaço para a retomada do poder da dinastia Sarney. Aliás, esta é uma das apostas de analistas que procuravam compreender os motivos da candidatura de José Sarney à Presidência do Senado: aumentar o cacife político para consolidar o retorno de Roseana ao governo estadual do Maranhão. Ao menos, conseguiu o silêncio do Planalto. Lago vinha realizando um importante processo de reformulação da estrutura do Estado, descentralizando em pólos regionais e adotando mecanismos técnicos de controle e gestão estratégica. Chegou a refundar e aparelhar um importante instituto de pesquisas e planejamento do Estado. Na lista de governadores que amargam processos de cassação figuram: Luiz Henrique (PMDB/SC), Ivo Cassol (sem partido/RO), Marcelo Deda (PT/SE), Marcelo Miranda (PMDB/TO), José de Anchieta Júnior (PSDB/RR) e Waldez Góes (PDT/AP);
7 Enfim, o coronelismo político que vinha sendo renovado ou perdia força em todo o país nas últimas eleições, ganhou sobrevida;
8 Em relação aos movimentos sociais e organizações populares, os passos continuam acanhados, mas começam a esboçar duas vertentes. A primeira, focada na valorização das experiências de economia solidária, tendo a CNBB e o Secretário Nacional de Economia Solidária do Ministério do Trabalho (Paul Singer) seus principais defensores (ver Anexo, análise de conjuntura da CNBB). A segunda vertente, tendo os fóruns de controle de gestão pública e ONGs à frente (Fórum Nacional de Participação Popular, Fórum Nacional de Reforma Política Democrática, Fórum Brasil do Orçamento), procura reforçar mecanismos de controle social sobre a agenda nacional e gestão pública. O MST, neste sentido, perde pela primeira vez em anos o protagonismo deste segmento. Em outras palavras, o mobilismo vem dando lugar à tentativa de elaboração de agenda mais articulada e propositiva, que articule as estratégias até aqui dispersas deste campo político.
ECONOMIA: CRISE CRISTALIZADA NO SETOR INDUSTRIAL, NOS MUNICÍPIOS E ENTRE JOVENS
9 O último dado do IBGE sobre desemprego revelou aumento significativo da taxa em final de abril, atingindo 9% nas seis regiões metropolitanas pesquisadas mensalmente pelo instituto. Vários economistas, como José Márcio Camargo, avaliam que a taxa de desemprego atingirá 11% em junho, recuando para 9,5% a 10% no final do ano. A grande maioria dos economistas, contudo, sugerem que o impacto maior da crise internacional sobre o desemprego já ocorreu na virada do ano, com forte ajuste das indústrias de ponta. Embora o índice de desemprego e os efeitos da crise sobre a arrecadação de impostos se mantenham elevados, haverá uma sensação de melhora ao longo do ano, devido ao choque da virada do ano e da melhora lenta e gradual dos indicadores econômicos. A tabela abaixo, elaborada pelo IBGE, demonstra a evolução do desemprego nas regiões metropolitanas pesquisadas, desde março de 2002:
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O IBGE divulgou, também, aumento significativo de desemprego entre jovens (de 15 a 24 anos): 21,1%, contra 17,9% de janeiro. Márcio Pochmann, que dirige o IPEA, sugere um índice muito superior, a partir do conceito de desemprego oculto (aquele em que se procura o emprego e, frustrado, aguarda um momento melhor). O problema é clássico e diretamente relacionado à falta de experiência que só seria superado com um bom programa de Primeiro Emprego e adoção em massa de Empresas/ONGs Júnior nas faculdades e obrigatoriedade de contratação de jovens nas empresas e órgãos estatais. Aliás, o índice de desemprego foi menor na administração pública (3,6% mais empregados que em março do ano passado), assim como melhorou o emprego em serviços domésticos, educação e saúde. A indústria, contudo, continua sentindo os efeitos da crise internacional;
11 O pior dado, contudo, é o do aumento de desemprego entre os mais instruídos (elevação em 1%). O interessante é que este dado começa a colocar por terra o conceito tão em voga nos anos 90 de empregabilidade, em que se supunha que o desemprego estaria relacionado à qualificação profissional e nível de instrução;
12 Os municípios brasileiros foram, possivelmente, os que mais sentiram com rapidez os efeitos da queda de arrecadação de impostos, em virtude da queda vertiginosa do repasse de recursos federais para Fundo de Participação dos Municípios (FPM). O FPM é a principal fonte de receita de 81% das prefeituras brasileiras. No Nordeste, há casos de cidades em que o fundo corresponde a 95% do orçamento local. A origem deste Fundo é 23,5% do total arrecadado pelo governo federal com o imposto de renda e o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) . O FPM é repassado a cada dez dias. Em março, os repasses, incluindo a parcela do FUNDEB, e com valores corrigidos, os municípios receberam 9,1% a menos no primeiro decênio de 2009 que no mesmo período de 2008, 75% a menos no segundo decênio e recuperaram no terceiro decênio (85% a mais, na comparação com o ano anterior), totalizando uma queda mensal de 14,7%. Dos recursos do FPM, as prefeituras são obrigadas a investir 25% na Educação e 15% na Saúde, além de repassar um percentual equivalente a 8% do orçamento anual para as Câmaras Municipais. Com a crise que assolou o setor automobilístico, o governo federal decidiu isentar do IPI as montadoras, que impactou o FPM. Mas a questão de fundo é a inversão, que ocorre desde o governo FHC (e se acelerou no governo Lula) da lógica municipalista da Constituição Federal, que descentralizava programas e execução orçamentária. Um dos exemplos de centralização progressiva é o Programa Saúde da Família (PSF). O PSF custa R$ 23 mil mensais às prefeituras, sendo que o governo federal arca com R$ 5,5 mil e o Estado com R$ 1,5 mil. O restante é arcado pelas Prefeituras. Trata-se de aprofundar a centralização crescente da execução orçamentária brasileira, em que o governo federal assume uma postura imperial que diminui profundamente a autonomia financeira dos municípios. Sem recursos, os prefeitos sem grandes paixões pela participação dos cidadãos na sua gestão terão argumento farto para reduzir o processo de implementação e fortalecimento de conselhos de gestão pública e mecanismos de descentralizaçã o administrativa. Até então, vínhamos numa toada lenta, mas progressiva. Segundo o IBGE, 75% dos municípios brasileiros já haviam adotado algum mecanismo de participação cidadã em suas gestões. Mas agora, com a política deliberada do governo federal, tal tendência pode se inverter, espelhada na própria prática da União. O governo federal, atento ao aumento de mobilização de prefeitos (e paralisação de prefeituras no Paraná, Tocantins, São Paulo, entre outros Estados), decidiu anunciar um pacote de ajuda da ordem de 1 bilhão de reais para todas prefeituras, indiscriminadamente ;
13 Contudo, o governo federal vem assumindo uma postura ágil em respostas conjunturais aos sintomas da crise. Vem diminuindo a taxa SELIC, alterou a direção do Banco do Brasil com o claro e público objetivo de reduzir o spread bancário (a diferença entre os juros que os bancos pagam na captação de recursos e o que cobram dos seus clientes), e anunciou um pacote habitacional (setor muito afetado pelo desemprego no início deste ano). O pacote habitacional, inclusive, já se refletiu nas vendas das construtoras que atuam na baixa renda. O primeiro fim de semana pós-pacote foi o melhor da história para construtoras como MRV, Goldfarb, Tenda e Rodobens. Em alguns casos, as vendas triplicaram;
14 A crise, contudo, foi sentida mais duramente nas classes A, B e C. Lembremos que a classe C é a mais importante do país e vem crescendo consideravelmente nos últimos cinco anos, formando a “nova classe média”, base de avaliação positiva do governo Lula. De acordo com levantamento divulgado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), entre setembro e dezembro do ano passado a chance de decadência de integrantes dessas classes para as D e E era de 2%, risco que saltou para 12% entre janeiro e fevereiro de 2009. A probabilidade de migração para baixo foi ainda maior para os indivíduos das classes A, B e C ocupados no setor financeiro. De acordo com a pesquisa - que usa como base os dados da Pesquisa Mensal de Emprego (PME), do IBGE - entre setembro e dezembro de 2008 a chance era de 9% de queda. Já no primeiro bimestre de 2009, o risco atingia 13,5%. Movimento similar foi observado para os empregados da indústria, que viram suas chances de decadência aumentar de 2,7% para 4,1% em iguais períodos. A crise, como reafirmada na última pesquisa sobre desemprego em regiões metropolitanas realizada pelo IBGE pegou os indivíduos mais qualificados;
15 Sobre o spread bancário, registre-se que custou R$ 8,2 bilhões aos brasileiros, em 2008, segundo matéria produzida pelo repórter Marcelo Rehder com base em dados do Banco Central colhidos pela Fiesp. Isso significa que 1,5% dos investimentos em produção em 2008 foram pagos a mais por causa do spread mais alto. O levantamento contesta o argumento dos bancos, que culpam a inadimplência. Pelos cálculos da Fiesp, o calote justificaria uma alta de 7,3% no spread, enquanto os bancos aplicaram aumento de 13%. A Febraban, por sua vez, diz ver problemas metodológicos no estudo e afirma que os bancos fixam o spread com base em “movimentos futuros” de inadimplência;
16 Nesta esteira, o IPEA lançou o IQD (Índice de Qualidade do Desenvolvimento) , que indicou que a qualidade do desenvolvimento brasileiro é instável, ou seja, que o crescimento econômico, a distribuição de renda e a inserção externa do país não evoluem na mesma direção e que vem caindo desde o final do ano passado.
Mantendo-se a atual trajetória, já em maio, o país corre o risco de começar a perder os avanços econômicos, ambientais e sociais conquistados neste século. O IQD agrega dados de três subíndices: 1) Índice de Qualidade do Crescimento (cujas variáveis são produção setorial, massa salarial, confiança dos empresários e meio ambiente); 2) Índice de Qualidade da Inserção Externa (composição das exportações, investimento estrangeiro, termos de troca, renda líquida enviada ao exterior e reservas internacionais) ; e 3) Índice de Qualidade do Bem-Estar (taxa de pobreza, mobilidade social, desigualdade de renda, desemprego e ocupação formal).
ANEXO
Análise de Conjuntura CNBB
Brasil - Análise de Conjuntura 2009 - Assembléia Geral
Pedro A. Ribeiro de Oliveira *
[Não é documento oficial da CNBB]
O foco do debate: a natureza da crise
Ninguém questiona que a instabilidade do sistema financeiro dos EUA se alastrou pelo mundo e já afeta toda a economia mundial, tampouco se questiona sua causa imediata: a irresponsabilidade de agentes do mercado financeiro e a falta de regulamentação eficaz sobre seu comportamento. O que está em debate é a natureza e os desdobramentos da atual crise. Num pólo estão os que vêem nela crise apenas uma ocorrência cíclica normal no sistema capitalista, cujo crescimento sempre alterna tempos de expansão e de contração da economia. No outro pólo, estão os que percebem nela o limite final do sistema econômico movido pelo produtivismo consumista que tem como meta o lucro para o capital, ou seja, o capitalismo.
Em favor do primeiro argumento, pesa o fato de já se registrarem 46 crises no sistema capitalista desde 1790. Segundo a teoria econômica clássica, as crises são inerentes ao sistema de mercado pois funcionam como fator de seu aperfeiçoamento ao obrigá-lo a corrigir seus erros e exageros. (...) Em termos práticos, isso significa injetar uma enorme quantidade de fundos públicos em socorro de instituições financeiras e empresas para tranquilizar o mercado e assim reativar a economia. Seguindo essa receita, em breve passará a turbulência e o capitalismo seguirá sua trajetória histórica (...). Em favor da argumentação contrária, pesa o fato de estar esta crise econômico-financeira embutida num conjunto de crises que a tornam muitíssimo mais grave. O déficit energético, o aquecimento global, a perda da biodiversidade, a escassez de água, a ausência de governança global e o esvaziamento ético da economia e da política, são sintomas de uma crise que incide na própria estrutura do sistema: o mercado produtivista e consumista regido pela lógica do lucro. (...).
Crise do sistema produtivista / consumista.
Estamos, sem dúvida, imersos numa grave crise financeira. Basta ter presente que enquanto o PIB mundial alcançou quase US$ 55 trilhões, em 2007, o volume dos direitos negociados no sistema financeiro mundial chegou a quase US$ 600 trilhões. Isso explica tanto o crescimento das grandes fortunas mundiais nas três últimas décadas, quanto a súbita diminuição daquelas que estavam fundadas em aplicações financeiras especulativas. (Ver o quadro da Revista Forbes). Tal fato se deve a que o mesmo indicador do valor (a moeda expressa em US$) aplica-se a duas realidades muito diferentes: o volume de bens e serviços efetivamente produzidos, e a compra e venda de direitos que são repassados sem que nenhum novo bem tenha sido produzido (por isso, chamados de derivativos) . Essa forma mais avançada do capitalismo pode ser resumida no parâmetro ideal das aplicações financeiras: lucrar sem envolver-se com a produção. (...)
As crises que podem travar o sistema produtivista / consumista.
O produtivismo consumista do capitalismo tem fome de energia. O carvão para a "revolução industrial", e mais tarde, a hidroeletricidade e o petróleo em abundância, permitiram a farra consumista do século 20. É verdade que essa farra só é real para cerca de um bilhão de pessoas (que consomem 82% das riquezas do mundo), pois outro tanto passa fome e a grande maioria da população da Terra consome apenas o suficiente. Dubai é o emblema desse produtivismo consumista: o lucro gerado pelo petróleo (que deve esgotar-se em 2010) foi aplicado no turismo de alto luxo. Acontece que essas fontes de energia ou não são renováveis (carvão, petróleo, gás) ou são fisicamente limitadas (hidroeletricidade) . (...).
Para sair da crise: bases teóricas
(...) A eclosão da crise implode essa compartimentaçã o de saberes e obriga a alargar o conceito de Economia, para que as relações sociais de produção e distribuição das riquezas sejam inseridas no âmbito das relações dos humanos com a Terra, relações estas que não podem perder seu caráter ético. Essa mudança na teoria econômica permite-nos descortinar um cenário inteiramente diferente daquele que nos é traçado pelos economistas do sistema. Ao privilegiar a lógica do valor de uso sobre a lógica do valor de troca, o mercado se tornará simples regulador entre a oferta e a procura, perdendo sua capacidade de gerar lucro para quem transforma dinheiro em capital. Esboça-se então um modo de produção e consumo no qual o mercado não seja a única instituição reguladora da produção e distribuição de bens, mas se coadune a outras instituições como a economia solidária, a cooperativa e o planejamento estatal e no qual seja respeitado o princípio da subsidiariedade: não assuma a instância maior o que a instância menor for capaz de fazer. (...) Em outras palavras: a teoria mostra o caminho de superação da crise sistema passa pela redução da produção e do consumo de bens materiais e o aumento da produção de bens imateriais, acompanhada da partilha equitativa dos bens já disponíveis. Para sair da crise, há que pensar unidades de produção locais, articuladas em rede, com baixo consumo de energia (em relação aos parâmetros atuais nos países e setores cios) e submissão aos imperativos éticos, pois não cabe economizar no custo monetário quando isso implica custo ecológico ou humano. (...)
Para sair da crise: pistas práticas
(...) Estima-se que existem no mínimo 22 mil empreendimentos de economia solidária no Brasil, onde trabalham cerca de 2 milhões de pessoas. São, em sua grande maioria, pequenas unidades de produção e/ou consumo. A variedade é grande: empresas falidas ocupadas pelos empregados, assentamentos rurais, cooperativas de produção artesanal, grupos de coletadores de material reciclável, cooperativas de serviços, bancos com moeda local e muitos empreendimentos de geração de renda. Esses empreendimentos enfrentam inúmeras dificuldades para sobreviverem no mercado regido pela lógica concorrencial dos interesses privados. Às dificuldades de ordem jurídica, referentes à obtenção do estatuto legal para integrar-se à economia formal (v.g. emitir nota fiscal, participar de licitações), acrescentam- se as dificuldades de formação para atuar segundo a lógica da solidariedade e não da lógica concorrencial vigente no mercado. Neste contexto, o Programa Economia Solidária em Desenvolvimento do Ministério do Trabalho e a I Conferência Nacional de Economia Solidária indicam a contribuição do Governo para um modo de produção alternativo ao capitalismo, onde os próprios trabalhadores e trabalhadoras assumem coletivamente a gestão de seus empreendimentos econômicos. Para superar a crise global, porém, a economia solidária precisará passar do nível micro ao nível macro: uma coisa são os empreendimentos locais, que agrupam no máximo algumas centenas de pessoas trabalhando; outra coisa é sua capacidade de um dia vir a atender as necessidades de 7 bilhões de pessoas, muitas delas querendo satisfazer os desejos atiçados pela propaganda veiculada pelo sistema capitalista. Esse salto não significa gerar empresas gigantescas e transnacionais, mas desenvolver a moderna organização em rede: inúmeras pequenas unidades autônomas quanto à sua gestão mas articuladas entre si na consecução de projetos comuns. "Pensar globalmente e agir localmente" significa, hoje mais do que antes, ter um pé firme na base local, o outro caminhando para uma articulação regional, e os olhos na articulação nacional, continental e planetária. A gestão dessa rede só será efetiva se basear-se numa verdadeira democracia na qual o poder econômico não tenha peso algum e as minorias sejam respeitadas dentro dos rumos traçados pela maioria.(... )
As políticas do governo Lula frente à crise
As principais medidas tomadas pelo governo Lula são, salvo raras exceções, na direção contrária à construção de “outro mundo possível”. Só recentemente o Banco Central começou a baixar a elevada taxa de juros - que retira dinheiro da economia real para alimentar o jogo financeiro dos rentistas improdutivos. O "pacote" de medidas do governo para dar liquidez à economia, é incapaz de atingir a raiz da crise, que é a especulação financeira. A política macroeconômica conduzida por H. Meirelles segue igual ao que era antes da crise: ignora o fracasso da autorregulação do mercado e continua apostando no futuro do sistema de mercado regido pela lógica do lucro e pelo produtivismo. Embora tenha diminuído sua meta, a realização de superávits primários (eufemismo que serve para camuflar o déficit fiscal provocado pelo serviço da dívida) continuará sangrando o Tesouro Nacional para sustentar a renda dos credores da dívida pública.
Além disso, o Presidente continua dando força ao agronegócio e à mineração, sem atentar para os danos que causam ao meio-ambiente. Tudo se passa como se o aumento da produção para a exportação fosse uma solução e não um paliativo que adia a crise econômica mas antecipa a crise ecológica - que é muito mais grave. (...) Nesta conjuntura, ganham importância os movimentos sociais, urbanos e rurais, e as pastorais sociais do Brasil, que nasceram nas bases e nelas se enraizaram. São experiências com décadas de existência, que possuem suas práticas já sistematizadas e consolidadas em propostas de políticas públicas alternativas e viáveis. Tais entidades foram muito além das lutas por interesses específicos, antes os incluem dentro das grandes lutas pela vida do Planeta.(... )